RefIexões sobre protesto

Estudo acadêmico sobre protesto

Prof. Luiz Emygdio f. da Rosa Jr.

Advogado e Consultor Jurídico de Pellon & Associados Advocacia Empresarial. Professor da Faculdade de Direito da PUC/RJ, da Fundação Getúlio Vargas e da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

  1. Introdução.Não há dúvida de que o instituto do protesto está mais vinculado aos títulos de crédito, entendida a expressão em seu sentido restrito, ou seja, para significar os títulos cambiários, como, por exemplo, letra de câmbio, nota promissória, cheque e duplicata. Continuam em vigor algumas normas do Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908, e do Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966, sobre protesto cambiário mesmo após o advento da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997. Segundo José Maria Whitaker título de crédito é o documento capaz de realizar imediatamente o valor que representa, e, por isso, quem o faz nascer promete pagar a soma cambiária ao beneficiário ou a outrem à sua ordem, que será aquele que no vencimento dele for seu portador legítimo. Todavia, a Lei n° 10.310, de 10 de janeiro de 2001, que instituiu o novo Código Civil brasileiro, em seu artº. 887, preferiu definir titulo de crédito nos seguintes termos: “O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei”. Tal definição baseia-se no conceito clássico de Cesare Vivante, salvo a sua parte final, por sinal desnecessária, porque se o documento não preenche os requisitos legais não pode, é lógico, produzir efeito como título de crédito.
  2. Nova visão legal. A Lei nº 9.492/97 teve por finalidade precípua disciplinar os serviços referentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida, embora contenha algumas normas que extrapolam da mencionada finalidade. Tomando-se por base o artº. 1º da Lei n 9.492/ 97, pode-se dizer queprotesto é o ato extrajudicial formal que prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos. Não há dúvida de que a menção feita no mencionado dispositivo legal a “outros documentos” veio a alargar sobremaneira o objeto do protesto, até então restrito quase que exclusivamente aos títulos cambiários. Por outro lado, não se pode também questionar que esses “outros documentos” referidos no artº. 1º da LP, por não corresponderem a títulos cambiários, têm origem basicamente em relação contratual entre as partes, e “o protesto servirá como meio de prova na executoriedade forçada da obrigação”, segundo a lição de Carlos Henrique Abrão (Do Protesto, São Paulo, E,U.D., p18). Tanto o protesto de título cambiário quanto o protesto de outros documentos de dívida devem se revestir das formalidades legais, e qualquer irregularidade formal será óbice para o registro do protesto (LP, artº. 9º)•

A doutrina tem se debruçado sobre o exato sentido da expressão “outros documentos de dívida”, considerando que o estatuto legal sobre protesto não a aclara. Entendemos que o sentido de tal expressão deve ser perquirido no mundo complexo e inesgotável das obrigações, e, por isso, o legislador agiu cedo em não defini-la. Entretanto, se o protesto visa a provar a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, como consta da norma do artº 1º da LP, e se tais documentos não correspondem a títulos cambiários, parece-nos induvidoso que qualquer documento que traduza assunção de obrigação líquida, a prazo certo, exigível, vencida e não cumprida, pode ser objeto de protesto, inclusive contratos. Por outro lado, a título ilustrativo, são documentos de dívida protestáveis as Certidões da Divida Ativa da Fazenda Pública, que correspondem a títulos executivos extrajudiciais CPC, artº. 585, VI), embora não se subsumam como títulos cambiários, posta de lado a discussão quanto a legitimidade e interesse da Fazenda Pública em ajuizar ação de falência em face de contribuinte comerciante, por escapar ao objeto deste trabalho.

O ponto nodal da controvérsia a respeito da expressão “outros documentos de dívida” é que o instituto do protesto está umbelicalmente vinculado aos títulos de crédito. Daí a dificuldade de alguns entenderem que o título de crédito não é o único documento que pode traduzir obrigação líquida, vencida, não paga e exigível. Ademais, na hipótese de ser levado ao Tabelionato de Protesto de Títulos documento que não seja suscetível de protesto, o devedor terá sempre a via judicial da Ação Cautelar de Sustação do Protesto.

  1. Outros aspectos. Sempre se entendeu, com a benção do Supre mo Tribunal Federal (Súmula 153) que o protesto cambiário não interrompe o prazo prescricional da ação de cobrança, por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses do art. 453 do Código Comercial Todavia, o novo CCB, em seu artº, 202, III, considera o protesto cambial como causa de interrupção da prescrição, rompendo com o sistema tradicional.

Finalmente, cabe abordarmos a denominada duplicata virtual, onde não existe documento, cártula, e que vem sendo utilizada em larga escala no meio empresarial em decorrência do avanço tecnológico, consistente no registro do crédito por meio magnético, sem cártula, sem papel. Assim, em decorrência do avanço tecnológico, o vendedor, via computador, saca a duplicata e a envia pelo mesmo processo ao banco, que, igualmente por meio magnético, realiza a operação de desconto, creditando o valor correspondente ao sacador, expedindo, em seguida, guia de compensação bancária que, por correio, é enviada ao devedor da duplicata virtual, para que o sacado, de posse do boleto, proceda ao pagamento em qualquer agência bancária.

A Lei nº 9.492197, em notável inovação que acompanha a evolução do processo tecnológico, veio a permitir, no parágrafo único do artº. 8º as indicações a protesto, das duplicatas mercantis e de prestação de serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, respondendo o apresentante pelos dados fornecidos ao cartório de protestos, devendo constar do instrumento de protesto as indicações feitas (LD, artº. 14, e Lei n° 9.492/ 97, artº. 22, III). Por outro lado, o parágrafo único do artº. 22 da Lei n° 9.492/97 dispensa, no registro e no instrumento de protesto, a transcrição literal do título ou documento de dívida, quando o tabelião de protesto conservar em seus arquivos gravação eletrônica da imagem, cópia reprográfica ou micrográfica do título ou documento de dívida.

Por sua vez, o novo CCB, em seu artº. 869, § 3°, assim dispõe: “O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo”. Trata-se do reconhecimento por lei do titulo virtual, ou seja, não materializado em papel mas registrado em meios magnéticos.