É evidente que documentos de dívida são todos aqueles em que há, inequivocamente, a indicação de relação de débito e crédito entre a instituição financeira e as empresas comerciais (individuais ou coletivas) e seus clientes, pessoas físicas, mutuários ou usuários, sem qualquer restrição, pois esta só teria legitimidade se estivesse prevista em lei.
SAVIGNY ( 4 ) censura os que limitam a interpretação a casos acidentais de obscuridade nas leis; pois ela acompanha a aplicação de todas as leis à vida real e a define “a reconstrução do pensamento contido na lei”.
E FRANCESCO FERRARA ( 5 ) com propriedade dilucida: “…é por conseqüência, que o intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objetivamente querido: a mens legis e não a mens legislatorrs “.
Com efeito: a Lei n.° 9.492 deixou margem para que outros documentos que vierem a ser criados pelos usos ou costumes ou leis posteriores, sejam abarcados pelo citado art. 1º.
É inválida qualquer limitação que contrarie a intenção do legislador, notando que a Constituição de 1988, entre os direitos e deveres individuais e coletivos, no artigo 5, inciso I assegura que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei
Também estão contemplados pelo mencionado artigo 1°, os valores mobiliários, disciplinados pela Lei n.° 6385, de 7 de dezembro de 1976 e são documentos que instrumentalizam investimentos de risco, aptos a circularem em série, ou seja, passíveis de negociação em massa ( 6 ).
Ora o direito comercial está em constante transformação, especialmente após a internacionalização da economia e globalização dos mercados, que procuram induzir certa uniformidade nas principais leis que regem as atividades económicas.
Outro documento: uma das recentes modificações do Direito Processual Civil Brasileiro foi a introdução pela Lei n.° 9079, de 14 de julho de 1995, da Ação Monitória que “compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem imóvel “ ( 7 ).
Se uma prova escrita, sem liquidez, serve para fundamentar uma ação contra o devedor, por que impedir que documentos de dívida possam ser protestados?
A quem favoreceria essa proibição, que não está expressa em lei ?
Carlos Maximiliano, em obra sempre citada ( 8 ) reconhece: “ Não preside á exegese das leis comerciais critério inteiramente igual ao adotado para as leis civis. A própria índole das relações mercantis, a prevalência dos objetivos econômicos, que o intérprete precisa levar em conta, a fim de atingir a verdade à regra objetiva, que esterioriza o pensamento gerador da lei, ou à vontade subjetiva declarada num ato jurídico . ( 8 )
Registre-se, ainda, a tendência crescente à desmaterialização da cártula ( xxxxxx), confirmando a previsão do Professor Carlos Ferreira de Almeida, da Faculdade de Direto da Universidade de Lisboa: “Em todos os campos da comunicação, o papel e a escrita físico-química estão a ser substituídos pelo suporte magnético e pela escrita informática, isto é, pela troca de dados informáticos ( “ eletronic data, interchannge” EDI ). A desmaterialização dos títulos de crédito não resulta só do aproveitamento de uma oportunidade: é uma inevitabilidade cultural. O tempo parece ser de dizer “ adeus aos títulos de crédito “. ( 9 )
A chamada duplicata virtual, com suporte em fitas magnéticas, já é conquista da moderna técnica bancária, sendo vitoriosa a experiência de sua utilização nos últimos anos.
Assim, a interpretação limitativa ou restritiva não tem amparo na lei, no bom senso, na realidade das relações comerciais e desfavorece o credor, quando se sabe que a inadimplência tem crescido mundialmente, até colocando em risco tradicionais empresas internacionais e nacionais.
O devedor será, evidentemente, avisado e, não pagando ou não apresentando prova do pagamento ou de irregularidade que invalide o documento de dívida, este deverá ser protestado.
Qualquer outra interpretação estará divorciada da legislação em vigor e constituirá entrave à busca permanente da eficiência e conseqüente redução dos custos operacionais, e postas pela concorrência, ainda mais acentuada pela maior participação entre nós, dos bancos internacionais.
Em conclusão: todo e qualquer documento bancário, que identifica com clareza a dívida do cliente, poderá ser levado a protesto, facilitando-se, assim, a segurança e velocidade dos atuais e futuros produtos bancários gerados pelas necessidades do mercado.
É o meu parecer, sub censura
Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1998.
Theophilo de Azeredo Santos
Professor Titular de Direito Comercial da UFRJ,
do mestrado da Universidade Estácio de Sá e
Professor Adjunto da UFRJ.